Da comunicação humana

 

O livro  A técnica da comunicação humana, de J. R. Whitaker Penteado, era tido como um clássico em décadas passadas. Quando o professor de Língua Portuguesa, especialmente nos curso de Letras,  queria variar num exercício, numa atividade, recorria ao Whitaker e nunca saía dele sem uma boa sugestão.

Diferentemente de tantos outros compêndios puristas e apegados a modelos linguísticos ultrapassados, esse livro tinha sido feito por um estudioso da comunicação em vários outros setores, como rádio, propaganda e publicidade. Sempre foi, portanto, mais aberto a novidades.

José Roberto Whitaker Penteado tinha um  currículo diferenciado que incluía locução radiofônica (na Cultura, de São Paulo), redação de programas para a Nacional do Rio de Janeiro, chefia de comunicação nos festejos do IV Centenário de São Paulo, consultoria de relações públicas em grandes empresas, magistério em instituições de ensino superior no Brasil e no exterior.

E assim o livro conseguiu treze edições, até que se esgotou  e se estagnou.

 

*

 

José Roberto Whitaker Penteado Filho, presidente da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), resolveu atualizar o belo livro do finado  pai e disso incumbiu pessoa altamente capacitada: Marleine Paula Marcondes e Ferreira de Toledo, professora da USP e da própria ESPM.

Quem, ligado ao euclidianismo rio-pardense, desconhece Marleine Marcondes, nossa conterrânea por adoção, professora do Ciclo de Estudos? É a mesma pessoa que nas recentes comemorações dos setenta e cinco anos da Escola Euclides da Cunha, comoveu o público ao tirar da bolsa uma pano de pratos por ela bordado na aula de Educação para o Lar, da Prof.ª Maria José Campos Frigo, décadas atrás... Um achado de comunicação.

 

*

 

Sai agora a 14.ª edição do livro de Whitaker, com revisão técnica, atualização e ampliação de Marleine, pela editora Cengage  Learning, São Paulo, 2012.

Em qualquer página que se leia, percebe-se a atenta presença da revisora, que dá à obra um toque de atualidade e inovação até surpreendente. Marleine não se preocupou apenas em atualizar uma obra em si de muito mérito – ampliou-a para limites absolutamente incomuns em escritos dessa natureza, levando-a a tratar de internet, redes sociais, filmes recentes, televisão, esportes, falares do povo, boas maneiras,  peças de propaganda, tudo, enfim, que exija maleabilidade e adaptabilidade do português às necessidades da vida contemporânea, sem, com isso, trair aquilo que Euclides resumiu nas “regras invioláveis do idioma”.

 

*

 

Para nós, rio-pardenses, merece ênfase o capítulo 4, que trata da comunicação e o protocolo, o cerimonial e a etiqueta. No item 3 ela expõe de modo inédito exemplos de cerimoniais e seus significados, para no subitem 3.5 (página 97) chegar à nossa Semana Euclidiana. Depois de oferecer ao leitor um rápido resumo sobre a própria Semana, refere-se ela à conferência oficial, destacando as esperáveis qualificações dos conferencistas, além de se estender sobre o mito e o rito, latentes em vários aspectos das comemorações. Transcreve tópico de meu livro Ensaios euclidianos e do livro de Cármen Trovatto  A tradição euclidiana. Termina com esta assertiva, de grande valor testemunhal: “Essas festividades têm alto poder de emulação, comunhão e comunicação. Os intelectuais que vão uma vez a São José costumam tornar-se habituais. Recebendo convite para voltar, não recusam. Estudantes de nível médio ou superior que comparecem a primeira vez à Maratona costumam voltar outras vezes e depois incorporam-se ao grupo de professores dos ciclos de estudos. A continuidade é, em grande parte, garantida pelo poder comunicador e agregador de rituais.” (p.99)

Marleine põe em evidência o valor intelectual de outra professora do Ciclo de Estudos – a quem se refere nos seguintes termos: “Finalmente, de modo especial, minha gratidão a Célia Mariana Franchi Fernandes da Silva, a Celinha, minha amiga de adolescência, sempre presente em minha vida. Latinista e entendida em Teologia, deu-me a segurança necessária para tratar das altas questões do espírito.” (p.XXIV) Da mesma Celinha transcreve tópico do livro Os sertões mais curto (p.97) e sua saudação aos presentes à sua conferência de abertura da Semana Euclidiana de 1996. (p.104)

 

*

 

A simples leitura do sumário da obra dá bem a ideia de sua extensão e finalidade. Eis os nomes de seus capítulos: A comunicação humana -  A comunicação na era digital -  A linguagem na comunicação humana – A comunicação e o protocolo, o cerimonial e a etiqueta – A comunicação humana e a personalidade – A comunicação empresarial –  Os obstáculos à comunicação humana – A audição e a comunicação humana – A leitura e a comunicação humana – A escrita e a comunicação humana – A fala e a comunicação humana. Completa-a um apêndice com a verificação de conhecimentos gerais e exercícios de natureza vária.

 

*

 

Cinco pessoas me avisaram por e-mail do falecimento de José Ênio Casalecchi. Sinal de que, apesar do tempo decorrido, ficou viva em muitas mentes aquela figura do professor de História que deve ter influído no destino de não poucos alunos.

Conheci-o na Escola Euclides da Cunha exercendo função nova e desafiadora: implantar o ensino pluricurricular, sincero esforço de melhoria num primeiro grau que, por falta de praticidade e finalidade, então já dava sinais de não mais corresponder ao que dele se esperava.

Convidado por José Ênio, deixei até algumas aulas no segundo grau e voltei a enfrentar irrequietos alunos de sétima e oitava séries. Foi uma bela experiência que não teve, contudo, o desfecho esperado por causa da instável situação política brasileira nos anos setenta,  que não estava para alimentar ensaios libertários e de participação política.

Acusado de subversivo, de comunista, José Ênio ficou preso uns tempos em Piraçununga e não mais voltou a trabalhar em São José. Na UNESP de Araraquara fez sua carreira de professor universitário, chegando a reitor.

Nossa Faculdade de Filosofia  manteve por muito tempo com a UNESP estreito relacionamento, porque nossa esperança era que se instalasse na cidade um câmpus universitário da instituição estadual. José Ênio deve ter feito o possível em favor dessa concretização, tanto que por longo tempo participou de um grupo de trabalho que regularmente vinha à Faculdade e planejava uma fórmula de absorção de nossa escola pela Universidade. Num de meus mandatos como diretor da FFCL (1989-1992), o então reitor , Prof. Jorge Nagle, chegou a declarar de público que o namoro da UNESP com a Faculdade já tinha passado da fase de “pegar na mão” e se encaminhava para noivado sério... Aí mudou governo, mudou reitoria, mudou direção: o tal noivado, prenúncio de casamento, acabou dando em nada. Até hoje, em vasta faixa do leste paulista, não há nenhum câmpus de nenhuma universidade estadual. E se houver, como agora se propala por aí, não será em São José do Rio Pardo, cidade de minguado apadrinhamento político.

 

*

 

Para mim, inesquecível a cena que presenciei em Espírito Santo do Pinhal, terra natal de José Ênio. Depois de muito sofrimento causado por enfisema pulmonar, morreu o pai do professor, que ainda estava preso em Piraçununga.  Alguém do quartel disse-lhe que se quisesse, poderia ir ao velório e ao enterro do pai, desde que permanecesse algemado. José Ênio rejeitou de imediato a humilhante proposta e só aceitou ir com a garantia de sequer ser vigiado de perto. Assim aconteceu. Alguns poucos de seus amigos estávamos lá.

 

 

O artigo da semana passada rendeu alto ibope e uma correção: Aécio Neves é neto (pelo lado materno) de Tancredo Neves, e não sobrinho, como escrevi.

Agradeço as belas mensagens de Willian Fagiolo, Stela Blandino, Mariângela Reis,  Toninho Teixeira, Flávia Jung, Maitê, Padre Lu, Maria Olympia, Sonia Bertero, Eliza Rosa, Nelson Pesciotta... Cada um fez leituras pertinentes e bem pessoais do painel histórico que montei, fiando-me somente na memória.

 

03/03/2012
emelauria@uol.com.br)

 

Voltar