Subsídios para a organização de um poema

 

Há que construí-lo de modo a ressaltar a beleza própria dos fragmentos ofertados.

Não importa a ordem, tampouco a primazia.

Fundamental é inserir:

1) Quilhas contra as ondas, mar divino, corpos pesados de pranto, vento premindo o leme, singrar até o fim do dia.

2) Sol rumo ao sono, cavar um fosso de um côvado de lado.

3) Muitas preces a orar sobre as débeis cabeças dos mortos.

4) Sem pranto, nem manto, pois outros feitos urgiam.

5) Bater no contraforte, partido o nervo da nuca.

6) Um homem sem fortuna e um nome por fazer.

Dizendo serem do Canto II da Odisseia, Ezra Pound com eles tramou o início Do Canto 1, de seus Cantos.

Antes, as mesmas ideias-força sofreram a corrosão latina de Andreas Divus Justinopolitanus (séc. XVI).

Depois, muito depois, a partir de Pound, a versão a três cabeças (Augusto, Haroldo, Décio) para esta nossa áspera língua.

Disponham deles quantos quiserem, porque a substância poética não se esgotou.

De mim, fique apenas este abismar ante estas expressões multisseculares que (nem posso avaliar em que sons exteriorizados) brotaram na mente de olhos cegos de um rapsodo, novecentos anos antes de Cristo.

(Publicado no Suplemento Literário do jornal "Minhas Gerais", de Belo Horizonte, 1985)

 

03/02/2018
emelauria@uol.com.br

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