À espera de boas novas

 

            Foram das mais agradáveis situações dos últimos tempos as que vivi conversando e me correspondendo  com Willian Fagiolo, por causa de seu belo plano de erigir o  Memorial Euclides da Cunha, Instituto Cultural Euclides da Cunha de Estudos Avançados, assunto muito corretamente tratado no editorial do DEMOCRATA de sábado passado.

            Qual a essência do pensamento de Willian, homem capaz de unir sua vivência prática de arquiteto com o produto elaborado de suas leituras e de suas reflexões? Ele apenas acha que esta nossa cidade não soube até hoje tirar proveito do notável trunfo cultural e turístico representado pelo impacto de atualidade da mensagem contida na obra de Euclides da Cunha. Não só não soube como não pôde, dada a grandeza do escritor e do seu principal livro. Não seria tarefa para uma ou duas dúzias de abnegados ou para pouco tempo. Ao contrário: um movimento de adesão nacional, através dos mais poderosos canais da educação,  da cultura, da comunicação,  do turismo e sabe-se lá  de que mais. Movimento de uma sociedade consciente e organizada e por isso mesmo capacitada a exigir a participação dos detentores da riqueza nacional e do poder nacional.

            Os argumentos dele nada têm de restritivos nem encampam posições estreitas que mais pareceriam continuação das muitas e pequenas escaramuças que, gostemos ou não, sempre marcaram o euclidianismo-beira-rio-pardo.

            Um dos piores vícios do provincianismo é o cultivo de certo prazer em não pensar grande. Se as pessoas, ao invés de tirarem os melhores resultados de características regionais marcantes, preferirem erguer barreiras em torno de seus pontos de vista tidos como indiscutíveis e inalteráveis, estarão garantindo a vitória da mesmice, a intocabilidade de certos vícios consolidados que rebatizam com o enganoso rótulo de direitos adquiridos pela intocável tradição.

              A arquitetura, por suas próprias linhas-mestras de ação, requer que as pessoas tenham corações e mentes abertos ao novo, não por ser o novo, mas por contemplar o viável, o necessário, o indispensável. Se o arquiteto reúne dentro de si outra ordem de atributos pessoais, como o apego ao estudo, a boa rememoração de seu próprio passado,  o cultivo da poesia e a sensibilidade para com os problemas da sociedade, estará em condições de mentar projetos capazes de mudar o curso da História. Exemplos disso não faltam, o que faz do turismo cultural não só uma das mais rentáveis atividades dos tempos modernos, mas também a regeneradora de cidades e regiões postas à margem do progresso geral.

               Willian, profissional vivido e bem-relacionado, alimenta  para com São José do Rio Pardo um sentimento a um tempo simples e complexo: simples porque ele tem podido continuar amando a cidade e com isso percebendo com certa criticidade o que por aqui ocorre (ou não ocorre); complexo porque ele se  propõe à expressão de  um amor esclarecido e reivindicante, capaz de mexer com as estruturas sociais e de incomodar os acomodados. Ele considera, mesmo, essa permanente cobrança de melhorias uma das mais significativas formas de expressão da cidadania.

               Imagine-se tomar a memória e a obra euclidianas e a partir daí mudar a cidade!

Através da ação dos estudiosos e da inspiração dos jovens, ampliar o âmbito de seus conhecimentos e aplicá-los como resposta aos desafios impostos pela áspera realidade!

               Não será de se estranhar se, tornadas mais explícitas as propostas do ousado plano de Willian, houver resistências consideráveis em seu caminho. É que se trata de uma visão completamente inovadora de encaminhamento de problemas. Não se pedirá dinheiro a ninguém, individualmente considerado, porque se tudo andar a contento, esse dinheiro virá de organizações cuja movimentação financeira  é superior à de muitos países.

            O que se quererá do povo rio-pardense, em todas as suas camadas, é uma adesão participativa, é a encampação de uma filosofia  ainda de pouco ou nenhum acolhimento por aqui: a implantação da mentalidade turística.  Isso quer dizer que não apenas o comércio e os prestadores gerais de serviços terão de se preocupar com o modo de tratar pessoas que aqui venham em busca do conhecimento euclidiano, sem dúvida uma das melhores formas de se chegar ao conhecimento do Brasil. Não apenas o comércio e os prestadores de serviços, mas os órgãos públicos, as escolas, os responsáveis pelo lazer cultural capaz de atender às exigências de pessoas que conhecem as coisas, não se importam de pagar por elas, mas exigem qualidade nos serviços, nos informes, na acomodação, na locomoção .

            Alguém poderá estranhar a ênfase que se dá ao que parece o óbvio: por acaso haverá em São José do Rio Pardo quem desgoste dessa possibilidade de todos tirarem justos proventos de toda ordem, a partir de uma longínqua circunstância histórica? A verdade é que muitos nada sabem e nada querem saber. Que, entre 1898 e 1901, por razões estritamente profissionais, um engenheiro chamado Euclides da Cunha acampou por aqui e, concomitante aos trabalhos de reconstrução de uma ponte metálica, deu forma definitiva a um livro  que tocaria fundo na consciência nacional e marcaria um novo modo de ver o Brasil e os brasileiros. Para um número nem tão pequeno de rio-pardenses, o movimento euclidiano, a Semana Euclidiana, os estudos euclidianos não passam de grande maçada.

            Willian sabe como tudo será difícil e lento, mas está convencido, como alguns de nós, que se tirarmos desta cidade o seu aspecto euclidiano, ela se nivelará por baixo com centenas de outras e oferecerá poucas oportunidades de progresso social, cultural e econômico a seus habitantes. Sabe também, pela abundante exemplificação internacional, que por motivos muito menos apreciáveis se faz muito mais, turisticamente considerado. Quantas cidades não desejariam ter o privilégio de tornar conhecida a memória e as obras de um escritor cuja mensagem tem mundialmente uma forte atualidade temática e de defesa do homem?

              Este o sentido do minucioso projeto de Willian Fagiolo, sobre o qual muito temos conversado e muito mais se conversará.. Aos poucos ele será explicitado e esmiuçado. Por ora, caberá aos rio-pardenses ir tomando conhecimento gradativo dele e perceber que não se trata de utopia, mas de plano maduramente pensado em sua ousadia e abrangência.

            As boas novas assim esperadas passam sempre pelo correto entendimento com as diversas esferas do poder público, dadas as singulares ligações dos locais euclidianos com o Município, com o Estado e com a União.

 

02/12/2006
(emelauria@uol.com.br)

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