MODOS DE
PENSAR
Meu
texto da
semana
passada causou
reações das
mais desencontradas. Recebeu
desde
amáveis
elogios, solicitações de
cópias (coisa raríssima de
acontecer!),
até classificações
muito elogiosas.
Certamente
que houve
quem o considerasse
fraco,
sem
pé
nem
cabeça.
Não teria
graça se
alguém
não tivesse confessado de
público: “Não
entendi
nada”...
Que posso
fazer? Já disse,
mas repito
que
mais e
mais
pessoas estão sofrendo de uma
situação
psicológica
típica de
nosso
tempo – a acroase,
ou seja, a impossibilidade de
entender uma
página
lida, a
menos
que
alguém faça o
favor de explicá-la de
viva
voz.
Aí entendem,
mais
ou
menos,
como
sempre afirmam os
que
não capiscaram
nada. Deve
ser
efeito acumulado de
muito
audiovisual e de
muita
oralidade na
informação recebida.
Por
mais
que
não queiramos,
com o
decorrer do
tempo (e
em
meu
caso
bote
tempo nisso) vamos entendendo
menos
mal os
mecanismos da
vida e da
convivência
humana, vamos fazendo de
tudo
que
nos
chega às
mãos
leituras
mais
ou
menos acuradas,
interpretações
mais
ou
menos elaboradas. Percebemos
com
clareza as
angústias alheias, captamos
sinais de S.O.S. emitidos
quase
em
desgosto. Ao
fim e ao
cabo, dá
vontade de
resumir
tudo numa daquelas
frases antológicas
em
que
um
autor inspirado diz
com
meia
dúzia de
palavras o
que
não conseguimos
expressar
em
páginas e
páginas. Guimarães
Rosa,
por
exemplo, o momentaneamente desfocado
autor de
obras
importantes
como
Grande
Sertão:
Veredas, reduz
muita
filosofia e
muita
reflexão a esta frasezinha de
nada,
posta na
boca de
um cismarento
jagunço: “Viver é
muito
perigoso”... E
quem se atreve a desmenti-lo?
Viver é
muito
perigoso,
talvez
só
menos do
que
explicar,
com
todos os
efes e
erres,
por
que
viver é
perigoso. Enrolei
tudo?
Então desenrolo: vai
distância quilométrica
entre
alguém
ter a
percepção de
que
outra
pessoa
acha
muito
perigoso
viver, e esta
mesma
pessoa
declarar de
viva
voz
que
viver é,
mesmo,
muito
perigoso,
porque
ninguém tem o
direito de fazê-lo
por
outro, de
ditar autoritariamente
como
proceder no encaminhamento de
vidas.
Será
que de
fato atravessamos
um
momento
histórico
caracterizado
por
excesso de más
notícias, de
escândalos, de
falcatruas,
ou se
trata
apenas de
um
geral
exercício de
opções?
Como
assim?
Tento
pôr
ordem no
caos.
Pelo
que se sabe,
desde
que o
mundo é
mundo, as
coisas boas e más acontecem,
com
um
detalhe
próprio de
nosso
tempo:
tudo pode
virar
notícia.
Antes,
muito acontecia e pouquíssimo se sabia. Veja
você: de
que
matéria
são
feitas as
colunas
sociais dos
jornais, de
que vive uma
revista de
circulação
nacional
como
Caras e assemelhadas? De não-notícias,
como diria Carlos Drummond de Andrade. De
coisas despiciendas,
como
ele
também gostava de
dizer.
E daí?
Daí
que o
mesmo
raciocínio pode
ser aplicado a
muitos
outros
aspectos da
atividade
humana: de
repente,
tudo
precisa
ser divulgado,
qualquer acontecimentozinho
vulgar
ganha notoriedade no preenchimento de
espaços de
tanto
noticiário de TVs
nacionais,
regionais e
locais, de
jornais
grandes e
pequenos, de
revistas,
resenhas,
sumários... E
aí se noticia
tudo,
desde a viagenzinha
sem
importância
até o recebimento do diplomazinho
sem
valor
algum.
Crimes,
transgressões,
escândalos
sociais,
políticos e financeiros,
uniões
fugazes e
separações
fulminantes, fofocas,
então –
cada
vez
mais ficamos
saturados
com
informes
que
não levam a
nada. Parece
que há
mesmo
um
certo
prazer de se
viver o
drama
alheio, a
alegria
alheia, à
falta de
alegrias e
dramas
próprios
em todas as
vidas.
Minha
mulher,
que tem
critérios
muito
próprios na apreciação dos
valores
contemporâneos,
sempre diz
que a
televisão, as
revistas e os
jornais
não gostam de
noticiar as
coisas boas
que ocorrem; e dá
como
exemplo a
diferença de
um
noticiário da
Globo e da
Rede
Vida, a de
sua
preferência:
enquanto na
Globo
qualquer
programa
vira reportagens
policiais minuciosas, na
Rede
Vida se
fala
muito
mais a
respeito do
que se constrói, do
que é
digno de
reflexão.
Ou
em outras
palavras:
minha
mulher
acha
que os
meios de
comunicação viraram
pelo
avesso a
frase “a
falta de
notícias
já é uma boa
notícia” e a transformaram
em “boa
notícia
não é
notícia”...
Você tem conseguido
acompanhar
com
interesse e
sem
misturar
dramas e
personagens os
diferentes
casos de
polícia
em
que se transformou a
política
brasileira?
Difícil,
muito
difícil,
mas
como resumiu
um
autor calejado,
em
todos
eles uma boa
pista
inicial é
tentar
localizar a
mulher envolvida. Garante
esse
autor
que o
método é
infalível; faz
mesmo
um
retrospecto da
história
recente do Brasil e conclui
que o
bom
êxito das
investigações se resume
em
levar
muito a
sério o
mandamento cherchez la femme,
quer
dizer, busque a
mulher .
Outro
analista de
nossos
tristes
tempos aconselha os
políticos
com
pretensões a
vôos
mais
altos a
não se descuidarem de
três das
possíveis
pedras
nos
sapatos, a
três de
seus calcanhares-de-aquiles: ex-mulher
legítima, ex-amante e ex-motorista.
Qualquer
um dos
três
personagens tem
condições de
repetir a
frase de
um
rei
francês (estou
sem
tempo
para localizá-lo)
que, de
volta de
longo
exílio, perguntado
como iria se
comportar dali
em
diante,
só advertiu:
--
Nada aprendi;
nada esqueci!
No
mais, é
reclamar
com
justa
razão e
apreensão da
corrida desenfreada das
horas, dos
dias, dos meses.
Nem dá
tempo de
você
pensar numa
data e
ela
já chegou e foi
embora,
assim
sem
mais
nem
menos. Se
alguns dizem
com
razão
que
anda faltando
dinheiro
para
todos os
dias de
um
mês,
não
deixa
também de
ser verdadeira a
impressão de
que andam roubando de
todos
nós
alguns
dias do
calendário,
que
vão e somem
sem
sequer
deixar
vestígio. E
assim está
aí
julho,
que
também passará
como
um
bólide,
ainda
mais
rápido
para
quem,
diferentemente de
mim, sairá
em
férias.
Por
último, a
notícia da
leitura de A
Bíblia do
Caos (obrigado,
Alberto Brunetta,
pelo
presente!),
em
que Millôr Fernandes colige
exatamente 5.412
pensamentos,
preceitos,
máximas,
raciocínios,
considerações,
ponderações,
devaneios,
elucubrações,
cismas,
disparates,
idéias,
introspecções,
tresvarios,
obsessões,
meditações, apotegmas,
despropósitos,
apodos,
desvarios, descocos, cogitações, plácitos,
ditos,
sandices,
especulações,
conceitos, gnomas,
motes,
proposições,
argumentos, filactérios,
reflexões, escólios,
conclusões,
aforismos,
absurdos,
memórias, estultilóquios, alogias,
despautérios, aqüelas,
insultos,
necedades,
dislates,
paradoxos, prótases,
sofismas, singularidades,
miopias, estultícias,
silogismos, tergiversações,
enormidades,
paranóias,
leviandades,
imprudências,
incoerências,
desabafos, galimatias,
heresias,
hidrofobias,
sofismas e dizidelas, da
dialética do irritante
Guru do Meyer,
que é
ele
mesmo. (Todos
estes
termos estão na
capa ...)
Abro ao
acaso o
elegante
livro de
bolso
com
suas
mais de seiscentas
páginas e leio:
·
As
pessoas
que se perdem
em
reflexões
geralmente
não conhecem o
território.
·
Os
monumentos
são
só
pra
celebrar
vitórias. Nas
derrotas se queimam os
arquivos.
·
O
hipocondríaco
procura
doenças pros
seus
remédios.
·
Se o
rádio fosse inventado após a
televisão, acharíamos
genial
um
aparelho
que
nos evita a
cara dos
locutores.
·
A
música é a
única
arte
que
te agride pelas
costas.
·
Uma
desgraça
nunca vem
só. No Brasil vem
sempre acompanhada de
ameaças à
democracia.
02/07/2005
(emelauria@uol.com.br)
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