Conversando com estátuas

 

Revejo preciosa coleção de fotos com  estátuas de pessoas ligadas à vida artística do Rio de Janeiro: Noel Rosa, João de Barro, Ari Barroso, Carlos Drummond de Andrade.

A de Drummond reproduz o poeta sozinho, em tamanho natural, sentado num banco da praia de Copacabana – de costas para o mar. O nosso bom Joel Bicalho Tostes, como carioca da gema, não se conformava com essa postura  mineiramente desrespeitosa. Imagine não se deixar atrair pelas ondas daquele mar aberto, bravio!

Aí me chega o flagrante de alguém conversando animadamente com o imóvel Drummond de bronze. O sujeito parece bêbado e não dar conta de que seu interlocutor não está nem ali.

Lança-se a pergunta: em que o verdadeiro Drummond pensaria se alguém se intrometesse nas suas elucubrações ao pé do mar?

Arrisco um palpite: estaria repassando seu texto “Apelo aos meus dessemelhantes em favor da paz”, o suprassumo do isolacionismo pessoal.

Então me lembro de que quando fomos ao Rio de Janeiro participar de evento relacionado com o centenário da morte de Euclides da Cunha, alguém de nosso grupo manteve animado papo com a estátua de Manuel Bandeira, numa área interna da Academia Brasileira de Letras.

Demorou, mas recebi o registro fotográfico do encontro histórico. Agradeço ao Marquinho Cassuci, que o conseguiu na Gazeta do Rio Pardo, a pedido do Francisco Braghetta.

 

Nela está o nosso Rodolpho Del Guerra cavaqueando com Bandeira, aquele homem feio, que se descrevia como um sujeito que engolira um piano, tendo ficado para fora da boca apenas o teclado...

Rodolpho, como bom saudosista, deve ter perguntado ao mestre pernambucano algo a respeito da “Evocação do Recife”, que termina com a triste constatação de que todas as pessoas  lembradas por Bandeira  estavam dormindo, dormindo profundamente.

Bandeira, tenho certeza, gostaria muito de ter lido as  picantes histórias do Palácio de Naná, que vagamente lembra o “Noturno da Lapa” e a admiração que tantos têm pelas mulheres da difícil vida fácil.

 

EDUCAÇÃO CÍVICA

Depois do excelente noticiário radiofônico matutino, é a vez do programa de grande audiência entre os jovens.

O animador, com aquela voz  de permanente chacota, lança a pergunta pra lá de séria:

- Hoje, 7 de setembro, o que é que se comemora?

E o seu amarra-cachorro responde com a mais inteligente de suas vozes:

- Hoje todo mundo comemora um feriado!

- Mas feriado de quê?

- Feriado...  Dia de ir para a praia, para a montanha, para a casa da avó.  Só sei que em São Paulo tem a Rua Sete de Setembro... Em Goiânia também...

Nada mais foi dito porque nada mais foi perguntado.

 

PONTUALIDADE (I)

Pode haver coisa mais irritante do que esperar quarenta e cinco minutos por alguém, em lugar errado? (Millôr Fernandes)

 

DEMOCRACIA

Se se fosse levar a sério o que o povo brasileiro pensa no momento, não sobraria nenhuma casa do Legislativo, um poder no mais franco desprestígio por culpa de seus próprios membros.

Pela vontade de três entre quatro brasileiros, um plebiscito aprovaria o fechamento do Congresso, reduziria  a maioridade penal para dezesseis, quinze ou quatorze  anos, assim como implantaria a prisão perpétua  e a pena de morte.

Pouca gente se lembra de que no Direito brasileiro existem cláusulas pétreas, isto é, que não podem ser mudadas a não ser num quadro francamente revolucionário.

Instituir constitucionalmente a pena de morte é uma dessas tarefas impossíveis.

A hora, portanto, é de se ter muito juízo e não ficar apoiando qualquer palpite infeliz que surja por aí. Nada que impeça, por exemplo, a redução do número não só de vereadores, mas de deputados, de senadores, mas fechamento de casas legislativas, não.

Democracia é apenas o menos ruim dos sistemas políticos.

 

DEFINIÇÕES NEM TANTO

O inventor do pôquer foi São Tomé, aquele apóstolo descrente que pagava para ver.

Pornografia é tudo aquilo que excita os moralistas.

Popularidade, que coisa mais vulgar!

O poder sem abuso perde o encanto. 

 

AMADAS ESCOLAS

Os dirigentes do ensino, os professores e os alunos de hoje nem podem imaginar como as escolas de outros tempos eram amadas. Basta alguém escrever umas tantas linhas sobre elas para que cheguem dezenas de mensagens de apoio e reforço. Na verdade, das escolas do passado o que as pessoas mais amam é a lembrança de cada meninice, de cada adolescência, de cada mocidade sem dramas existenciais, sem medo do futuro. 

Esse o espírito dominante em tantas pessoas de mais idade que estão gostosamente aderindo às comemorações dos setenta e cinco anos do “Euclides da Cunha”, a partir de 15 de outubro.

 

EXPOSIÇÃO AO PERIGO

Em matéria de respeito ao pedestre, esta nossa cidade ainda tem muito que aprender. Nem todas as calçadas estão em ordem, nem todos os tapumes são colocados na medida que dê segurança, não usurpando lugares nos passeios.  Uma construção paralisada na esquina da Treze  de Maio com João Gabriel Ribeiro é um atentado à fragilidade  de tantas pessoas.

Precisa vigorar por aqui a firme disposição de punir os motoristas que não estão nem aí com as dificuldades que tantos sentem  em atravessar até locais com faixas de segurança.

Ah, os bicicleteiros nem de leve desconfiam que precisam respeitar as regras de trânsito, sem trafegar na contramão nem nas calçadas! 

       

UM  CALHEIROS SEM CULPA

Você pode não acreditar, mas existiu. Chamava-se Augusto Calheiros e era um cantor paraibano de certa popularidade.

A ZYD-6, Rádio  Difusora São José do Rio Pardo, nos meados do século passado tocou até gastar  uma Ave-Maria cantada por sua voz meio arrastada e rascante. A letra começava assim:

 

Cai a tarde tristonha e serena

Nesta hora de lenta agonia

Quando o sino saudoso murmura

Badaladas da Ave-Maria.

 

Alguém se lembra do resto?

 

PONTUALIDADE (II)

A pontualidade é uma longa solidão. (Millôr Fernandes)

 

01/10/2011
emelauria@uol.com.br)

 

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