DAS
VIAGENS
Acho
que se
depender
apenas de
mim,
já
não farei
viagens
com
mais de cinqüenta
quilômetros,
ida e
volta. Estou
com o
velho Drummond,
que disse interessar-se
apenas
pelo
que acontece na
sua
cidade, de
preferência no
seu
bairro,
melhor
ainda na
sua
rua.
Se
depender de
minha
mulher,
só
não iremos à
Lua
por
falta de
vôos
comerciais.
Brinco
com
ela dizendo
que, uma
semana
depois de
minha
morte,
ela
já estará inscrita na SVV – a
Sociedade das Viúvas Viajeiras,
objeto de
um
longo e realista poema
de Afonso
Romano de Sant’Ana,
se
não
engano a autoria.
O
fato é
que, estimulado
por
meu
filho
xará e
pela
sempre
disposta MariZa,
nós
quatro passamos o
fim de
semana prolongado
em Paraty – é
assim
que
eles gostam de
escrever, alegando tratar-se de
local
histórico
que merece
grafia tradicional.
Se a Bahia pode,
por
que
não Paraty?
MariZa, Márcio e Marina
Paraty,
justamente considerada
patrimônio da
humanidade
pelo
conjunto de
sua
arquitetura de
três
ou
mais
séculos.
Chegar
lá é
meio
puxado,
não
pelos trezentos
quilômetros
que a separam da
cidade de
São Paulo,
mas
pela
descida da
serra do
Mar. Escolhemos a
rodovia Osvaldo
Cruz,
que vai de Taubaté a Ubatuba. Haja
verdadeiramente
estômago
para
suportar
tanta
curva fechada naquela estradinha
bem conservada,
mas de traçado
antigo,
aberto
pelos
passos
prudentes das
mulas e
burros transportadores das
riquezas do
interior e destinadas a
embarque
para a Europa –
isso há trezentos
anos.
Diferente de
Ouro
Preto,
em
que
tantos
prédios denotam a
presença e o
dinheiro do
governo,
em Paraty
tudo foi
feito
por
particulares,
mesmo
porque
quase
todo o
movimento de
seu
porto
era ocasionado
pelo
desejo,
já
então justíssimo, de
burlar o
fisco,
muito
atuante no
porto da
cidade do
Rio de
Janeiro. Paraty
era
como o caixa-dois dos
exportadores
A
cidade
fluminense desperta no
visitante uma
espécie de
delírio
fotográfico (ou
filmador,
conforme o
caso),
porque a
cada
olhar
atento surge prontinha
para
ser fixada uma
parede interessante, uma ruela
imperdível,
um
casario
cheio de
unidade na
variedade.
Portas,
janelas,
beirais,
calçadas,
igrejas dispostas numa
harmonia
que
nos faz
pensar
como as
cidades de
hoje
são
funcionalmente
banais
ou
banalmente
funcionais.
Nem pense
em
dizer
assim: “Bem, vou
passar uns
dias
em Paraty.
Ainda
não sei
onde
me
hospedar,
mas
com
certeza
lá
não faltarão acomodações”. Faltarão,
sim.
Já
não há propriamente o
que se
chama
baixa
temporada,
em
que os hotéis disputam a
tapa os turistas,
mal
estes se aproximam do
portal de
entrada da
cidade. A
bem
dizer, o
ano
todo há
muita
gente
por
lá,
especialmente
europeus, franceses às
pencas.
Isso é
ótimo
para a
cidade, de
espírito voltado
para o
turismo.
Todos recebem
bem,
todos servem
muito
bem,
todos cobram muitíssimo
bem.
Isso é
péssimo
para o turista
nacional,
que tem de se
conformar
com
preços
absurdos,
porque estimados
pelo
padrão do
euro.
Cada
euro
vale
três
reais e cinqüenta, o
que inflaciona
tudo
pago
com a
moeda
brasileira.
Num
restaurante de
categoria
pouco
acima da
média, se
você
bobear e
pedir
antepasto,
prato
principal,
um vinhozinho decente e
sobremesa, o
gasto
por
casal
não ficará
longe dos duzentos
reais, o
que é
muito, muitíssimo
para
nós e
razoável
para
aqueles emburrados
casais franceses
que se sentem
assim
como os
reis da cocada-preta.
Existe uma
parte da
cidade – o chamado
centro
histórico –
em
que
só se pode
andar a
pé,
sobre pavimentação
grosseira de
pedras
irregulares,
que convida ao
abandono de
outro
calçado
que
não sejam
tênis
ou
sapatos
sem
salto
alto. Essa
parte é vedada aos
veículos
por
correntes de
ferro.
Além disso,
por se
situar ao
nível do
mar, o
centro
histórico está
sujeito a súbitas
elevações da
maré,
que
toma as
ruas e às
vezes invade
casas e
estabelecimentos.
Belo
espetáculo,
que
nos dá a
certeza da
impotência do
esforço
humano
em
face dos
poderes da
Natureza.
Presenciamos
duas
subidas de
maré, consideradas de
bom
tamanho
até
pelos
nativos. De
repente,
você vai
atravessar uma
rua e percebe
que está ilhado,
sujeito a
comprovar numa
tábua improvisada de
pinguela
sua
capacidade de
equilíbrio.
Tenta
recuar,
mas
nada adianta,
porque a
água está
por
toda a
parte. O
jeito é
arregaçar as
calças e
meter os
pés na
água.
Quando a
maré é
alta e chove, a
situação fica
bem
mais
difícil. Numa
noite,
nós
quatro e
mais uns
amigos entramos,
com as
roupas
literalmente ensopadas num
restaurante
aonde íamos
jantar.
Remédio
possível:
reforçar
um
pouco a
quantidade de
bebida e
esperar
tudo
secar no
corpo...
Ficamos
hospedados numa
estalagem, o
Mercado de
Pouso,
segundo
nos informaram
antigo
local de
descanso dos
escravos
que
ali chegavam
em
navios negreiros e se destinavam a longínquas
fazendas do
interior do Brasil. A
restauração da
estalagem obedeceu a rígidas
normas do IPHAN, o
Instituto do
Patrimônio
Histórico e
Artístico
Nacional.
Pisos do
saguão e
corredores de
pedra
menos
irregular
que a das
ruas;
quartos assoalhados
com largas
tábuas;
forro de
madeira;
mobiliário
antigo.
Felizmente, algumas
concessões ao
moderno,
sem o
que
não haveria
tanto
visitante
em Paraty:
ar-condicionado,
ventilador de
teto,
telefone, boas
instalações elétricas e
hidráulicas.
Cama de
casal
curta, estreitíssima, daquelas
que
muita
gente
ainda
chama de
patente.
Um
nosso
vizinho de
apartamento,
homenzarrão de quase dois metros e uns
cento e trinta
quilos,
não teve
dúvida: contou-nos
que encostou a
cama a uma
parede e se ajeitou,
junto
com a
bela
esposa, no descômodo
colchão estendido no
chão.
Como
ainda estavam
em
lua-de-mel,
não acharam
ruim
ter de
dormir
tão
próximos...Já
casais
próximos às
bodas de
ouro estranham
um
pouco a
falta da
privacidade
tão
confortável no
dia-a-dia
doméstico...
Intensa a
vida cultural da
cidade,
cujo
ponto
culminante é
um
encontro
internacional de
escritores
que se repete há
alguns
anos. Vê-se de
tudo
em
suas
praças e
ruas: bichos-grilos à
vontade,
casais estranhíssimos
para os
nossos
padrões, conjuntos
folclóricos,
rodas de
samba,
teatro de
marionetes.
Um
sujeito de
cabelos cuidadíssimos e
compridos
até o
meio das
costas tocava
harpa.
Sim, uma complicada e
vistosa
harpa,
ouvida
com
respeito
por
pequena
multidão
que
depois depositava alguma moedinha no
chapéu do
artista.
Esse
mesmo harpista,
para
surpresa
nossa, fazia
parte do
conjunto musical da
igreja
onde assistimos à
missa no
domingo.
Um
despropósito o
que há de
galerias de
arte, de
obras do
artesanato
local. Os
preços...
nem é
bom
falar.
Ah, fizemos
belo
passeio de
escuna.
Minha
mulher,
precavida, pensou
em
tomar
um remedinho
contra
enjôo, esperando
enfrentar poderosas
ondas. Na
verdade, o
mar na
baía de Sepetiba, protegida
por
montanhas,
mais pareceu
um
manso
lago
azul
sereno.
Praias
muito belas,
mas
longe da
cidade,
só
acessíveis
por
trilhas
que põem à
prova
nossa boa
forma
física.
Nem
bem chegamos a
São José,
já mandei
revelar e
copiar
dois
filmes
com trinta e
seis
fotos
cada
um. Ficaram ótimas.
Não
acertar
como
fotógrafo
em Paraty
já seria
vergonha de
mais.
01/05/2005
(emelauria@uol.com.br)
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