VIDRO DE AUMENTO

Depois de nem sei quantas tentativas não levadas muito a sério, finalmente estão sendo lançadas as bases de  um novo livro meu, cujo título estava escolhido havia já muito tempo: Vidro de Aumento.

Mais uma vez, será composto de parte da matéria já publicada pelo Democrata, agora a partir de 2003.

Um dia destes, Luiz Trinca Filho, assessorado por Rodolfo Tiengo – o nosso Rodolfo, por contraposição ao Rodolpho da Gazeta --, esteve aqui em casa e escolhemos uns oitenta títulos de crônicas e artigos que provavelmente darão um volume  com quase trezentas páginas. O material arquivado no computador seria suficiente para outro livro de igual porte, isso sem se contar uma espécie de reserva constituída por estudos mais adequados a um livro de teoria literária, análise de textos, impressões de leituras...

É interessante perceber como já à primeira releitura, determinado texto ganha uma pecha que praticamente  o exclui da publicação em livro: é o texto datado, aquele que teve sua razão de ser em certo momento, mas não ganhou fôlego para manter essa mesma razão. Igualmente interessante notar como certos textos ganham uma espécie de durabilidade estendida e por isso mesmo merecem figurar num livro – a forma um pouco mais duradoura para o se escreveu, por contraposição ao jornal, artigo de rápido consumo, que tantas vezes, já no dia seguinte, vira papel de embrulho ou forro de gaiola de passarinho, sem ter sido objeto de uma leitura sequer.

Por que Vidro de Aumento? Parti da realidade segundo a qual quase tudo, se não tudo, que escrevemos semanalmente, só nos interessou porque aplicamos a nossa lupa, ainda que não muito possante, a  notícias lidas, a fatos locais, a impressões de leitura, a reminiscências pessoais. Quer dizer: selecionamos um tópico e ele só interessará ao eventual leitor na medida em que consigamos evidenciar alguma qualidade, alguma particularidade sua. Sem esse vidro de aumento, diminuirá o tal interesse jornalístico e a possibilidade, sempre problemática, de alguém   se concentrar na sua  leitura.

Alguém me perguntou, meio intrigado, sobre a sensação de publicar algo. É compensador, gratificante, lucrativo, ou o quê? Bem, como se trata de coligir matéria já publicada em jornal, a publicação de livro, para mim, não tem aquele aspecto diria emocionante  de apresentar algo inédito a desconhecidos leitores. Sabemos, pelos mais diferentes modos (como comentários pessoais, telefonemas, e-mails, referências indiretas), qual será o nível de aceitação de um novo trabalho. E olhe: vender livro é trabalho muito árduo! Exceto as vendas da própria reunião de lançamento, a procura pode ser razoável nos primeiros dias, mas decai rapidamente. Daí a desnecessidade de tiragens maiores. Nenhum livro meu chegou a dar prejuízo, mas lucro também tem sido pouco. Vale bastante o prazer de enviá-los a parentes, amigos, colegas, além da ilusão íntima de ter criado algo que poderá durar mais que a minha vida. Um pouco de vaidade, já se vê.

Por vezes penso com mais seriedade na edição do tal livro de teoria literária, análise de textos, reflexões de leitura. Afinal, ao longo de umas décadas, dediquei-me ao estudo de autores de minha predileção na rica literatura luso-brasileira. Aproveitar tudo que já tenho pronto, alguns tópicos publicados apenas no “Suplemento Literário” do jornal Minas Gerais, de Belo Horizonte ou em revistas de academias de letras, seria a forma adequada de impedir a perda de páginas e páginas que me deram muito trabalho e que hoje se encontram precariamente guardadas em pastas sujeitas à implacável ação do tempo. Para dizer a verdade, cheguei a combinar com uma editora do Rio de Janeiro a publicação deste material, mas a editora acabou falindo enquanto a montagem do livro estava ainda nas preliminares...

Se quiser publicar este tipo de matéria, terei de fazer uma busca nas minhas pastas, escolher o publicável, digitar tudo e resistir à inevitável  tendência de modificar, acrescentar, suprimir. Será tarefa para muitos meses.

  

  

ONDE MORA O PERIGO?

            Esses auxiliares mais diretos do presidente Lula têm revelado inesgotável capacidade de armar confusões que o põem naquilo que o povo, com alto poder de síntese na linguagem, chama de fria.

Quem imaginaria as trapalhadas do José Dirceu? Quem imaginaria que ainda poderia haver algo mais devastador do que as arbitrariedades do chamado primeiro-ministro? Pois houve.

Segundo os analistas da vida nacional, por sua natureza, por seus protagonistas, por seus efeitos imediatos  e por seus desdobramentos imprevisíveis, a crise da Caixa Econômica Federal ( causada pela violação e divulgação ilegais do sigilo bancário do caseiro Francenildo da Costa) é mais grave até do que a crise do mensalão.

Quantos já nem se lembram desse mensalão? As pesquisas de intenção de voto dizem que o povão nem tomou conhecimento do escândalo e isentou de qualquer culpa pessoal no episódio o presidente da República, dando-se por satisfeito e explicado com a cassação e afastamento ostensivo de José Dirceu.

Agora não. Quebra de sigilo é crime dos mais perigosos. Tão perigoso, que custou as demissões do superministro Antônio Palocci e do presidente da Caixa Jorge Mattoso que, ao primeiro aperto, falou mais do que dele se esperava e entregou de bandeja a cabeça do presidente da chamada república de Ribeirão Preto.

 A reação do mercado, da bolsa, da cotação da moeda não se fez esperar – dólar em alta, Bovespa em baixa, com a indicação de Guido Mantega para o ministério da Fazenda. Com isso, parece estar quebrada a frágil linha de equilíbrio entre as duas alas antagônicas do interior do Governo. Antes, de um lado, o usurário e avarento Antônio Palocci contrapondo-se à esbanjadora Dilma Russef. Agora, sem Palocci e sua equipe, a voluntariosa Dilma passará a dar as cartas no direcionamento do gasto público neste ano eleitoral, passando por cima de tudo e de todos, inclusive de Guido Mantega, uma espécie de estranho no ninho.

   Para amenizar o assunto: Guido em português pronuncia-se ghido, diferentemente do italiano, que diz güido. Seu nome de família, italiano, diz-se Mântega, que nada tem com manteiga.

Aliás, em italiano manteiga diz-se burro...

 

01/04/2006
(emelauria@uol.com.br)

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