CONFERÊNCIA
OFICIAL
Semana Euclidiana
2005
EUCLIDES
AMAZÔNICO
-
Introdução.
Por
que
eu
pela
segunda
vez?
Ausências
muito sentidas: Adelino, Hersílio, Galotti.
-
A
difícil catalogação de Euclides da
Cunha.
-
Sua
ligação
mais
intensa
com a
Cultura do
que
com a
Literatura. EC historiador,
ensaísta, sociólogo,
um scholar,
enfim.
Sua
presença
obrigatória
em
qualquer cânon da
Cultura e da
Literatura
Brasileira.
-
O
ensaísta
como problematizador. As
teses do ensaísmo euclidiano. A
vitória da
função
apelativa da
linguagem.
Um
engenheiro
capaz de
escrever
sobre
tudo,
até
sobre
versos.
-
Ficção,
transfiguração. A
força da subjetividade
nos
mais
expressivos
textos euclidianos. A
temerária
opinião de Afrânio Coutinho a
respeito de Os
Sertões. A
função sintonizadora
em
seus
textos.
-
Condensação do
episódio do
Judas: A
visão euclidiana particularíssima de
um
velho
costume no
sábado de
Aleluia: a
malhação do
Judas. O
sertanejo, internado no
mais
profundo da
selva
amazônica, constrói
um
boneco e o
solta na
correnteza do
rio, almejando
que ao
menos aquela
figura
grotesca
consiga libertar-se da
escravidão
insuportável e
insuperável.
-
O
cabimento do
adjetivo
amazônico na qualificação de Euclides
escritor.
-
A
forte estruturação ficcional de “Judas-Ahsverus”.
Sua
aproximação
com “O “Estatuário”,
de Vieira. –
Leitura
dramática dos
excertos.
-
Página de
psicologia
social
que
sequer perdeu a
atualidade. No
mesmo
local
em
que Euclides relata o
drama do
sertanejo atraído
pela
aventura do
seringal, realizando “uma
tremenda
anomalia: é o
homem
que
trabalha
para escravizar-se”, -
ainda
hoje persistem as
condições do
trabalho
escravo,
sem
que as
cenas dos
Judas de
hoje tenham
quem as transforme
em
esculturas
verbais.
-
Os
processos
retóricos euclidianos:
antinomia (antítese
sim,
mas notadamente oxímoro) e
intensificação (não
só
hipérbole,
mas
acumulação, superlativização). A
dramatização de
seus
textos.
Aproximações
com o
épico.
-
Antiga
intenção de EC:
escrever
sobre a Amazônia (que
conheceu
em 1904/1905) “o
segundo
livro
vingador”. Do
plano
inconcluso,
que se chamaria
Um
Paraíso Perdido, restou “Terra
sem
história – Amazônia”, incluído
em À
margem da
História, 1.ª
edição,
póstuma,
em 1909,
por Lello &
Irmão,
Porto.
-
A
impressão
dominante: o
homem,
ali, é
ainda
um
intruso
impertinente. Chegou
sem
ser esperado
nem
querido –
quando a
natureza
ainda estava arrumando o
seu
mais
vasto e
luxuoso
salão.
-
Do
título:
substantivo engendrado
por Euclides,
em
que unidos
por
hífen e integrando
um
só
personagem,
Judas significa a
ambição e Ahsverus (Asvero
em algumas
edições) lembra o condenado ao
permanente
caminhar. “Além disto,
são
palavras de Euclides,
só
lhe é
lícito punir-se da
ambição
maldita
que o conduz
àqueles
lugares
para entregá-lo, maniatado e
escravo, aos traficantes
impunes
que o iludem – e
este
pecado é
seu
próprio
castigo, transmudando-lhe a
vida numa
interminável
penitência.”
-
O
caráter reivindicatório do “Estatuário”
e de “Judas-Ahsverus”:
um se insere num
sermão proferido a
favor dos
indígenas do Brasil,
contra as
prepotências dos colonizadores portugueses,
que
lhes negavam
prerrogativas de
pessoas. O
trabalho do
estatuário é
um
elemento de comparação
entre o
que o colonizador
português efetuava
com os
silvícolas, e o
que
poderia
efetuar no
seu
contato
virtuoso
com os
indígenas.
Outro é Euclides pondo-se a
favor do
seringueiro,
cuja
sorte deplora: “À
entrada de Manaus existe a belíssima
ilha de Marapatá – e essa
ilha tem a
função
alarmante. É o
mais
original dos
lazaretos –
um
lazareto de
almas!
Aí, dizem, o recém-vindo
deixa a
consciência (...), abdica as
melhores
qualidades nativas e fulmina-se a
si
próprio, a
rir,
com aquela
ironia
formidável.”
-
Posição de Euclides
em
face do
tema:
advogado dos
indefesos,
como
em Os
Sertões.
-
Uma
tese
fascinante:
autobiografia
moral
em “Judas-Ahsverus”.
-
Comentários.
-
Os
excertos:
O
ESTATUÁRIO
“Arranca o
estatuário uma
pedra dessas
montanhas,
tosca,
bruta,
dura,
informe; e,
depois
que desbastou o
mais
grosso,
toma o
maço e o
cinzel na
mão, e
começa a
formar
um
homem,
primeiro
membro a
membro, e
depois
feição
por
feição,
até a
mais
miúda; ondeia-lhe os
cabelos, alisa-lhe a
testa, rasga-lhe os
olhos, afila-lhe o
nariz, abre-lhe a
boca, avulta-lhe as
faces, torneia-lhe o
pescoço, estende-lhe os
braços, espalma-lhe as
mãos, divide-lhe os
dedos, lança-lhe os
vestidos;
aqui desprega,
ali arruga,
acolá
recama; e fica
um
homem
perfeito, e
talvez
um
santo,
que se pode
pôr no
altar.”
(Apud
COSTA MARQUES, A
Análise
Literária. Coimbra,
Livraria Almedina, 1968, p. 240 -241.)
JUDAS-AHSVERUS
“E principia, às
voltas
com a
figura
disforme: salienta-lhe e afeiçoa-lhe o
nariz; reprofunda-lhe as
órbitas; esbate-lhe a
fronte; acentua-lhe os
zigomas; e aguça-lhe o
queixo, numa
massagem cuidadosa e
lenta; pinta-lhe as
sobrancelhas, e abre-lhe
com dous
riscos demorados,
pacientemente, os
olhos,
em
geral
tristes e
cheios de
um
olhar misterioso; desenha-lhe a
boca, sombreada de
um
bigode
ralo, de
guias decaídas aos
cantos. Veste-lhe,
depois, umas
calças e uma
camisa de
algodão,
ainda servíveis; calça-lhe umas
botas velhas,
cambadas...
Recua
meia
dúzia de
passos. Contempla-a
durante
alguns
minutos. Estuda-a.
Em
torno a filharada,
silenciosa
agora, queda-se
expectante, assistindo ao
desdobrar da
concepção,
que a
maravilha.
Volve ao
seu homúnculo; retoca-lhe uma
pálpebra; aviva
um ríctus
expressivo na arqueadura do
lábio; sombreia-lhe
um
pouco
mais o
rosto, cavando-o; ajeita-lhe
melhor a
cabeça; arqueia-lhe os
braços; repuxa e retifica-lhe as
vestes...
(...)
E o
monstro,
lento e
lento, num transfigurar-se
insensível, vai-se tornando
em
homem.
Pelo
menos a
ilusão é
empolgante...
Repentinamente o
bronco
estatuário tem
um
gesto
mais
comovente do
que o parla! Ansiosíssimo de Miguel
Ângelo: arranca o
próprio
sombreiro; atira-o à
cabeça do
Judas; e os filhinhos
todos recuam, num
grito, vendo retratar-se na
figura
desengonçada e
sinistra o
vulto do
próprio
pai.
É
um
doloroso
triunfo. O
sertanejo esculpiu o
maldito à
sua
imagem. Vinga-se de
si
mesmo: pune-se,
afinal, da
ambição
maldita
que o levou àquela
terra; e desafronta-se da
fraqueza
moral
que
lhe
parte os
ímpetos da
rebeldia recalcando-o
cada
vez
mais ao
plano
inferior da
vida decaída
onde a credulidade
infantil o jungiu,
escravo, à
gleba empantanada dos traficantes,
que o iludiram.
Isto,
porém,
não
lhe satisfaz. A
imagem
material da
sua
desdita
não deve
permanecer
inútil num
exíguo
terreira de
barraca, afogada na
espessura
impenetrável,
que
furta o
quadro de
suas
mágoas, perpetuamente anônimas, aos
próprios
olhos de
Deus. O
rio
que
lhe
passa à
porta é uma
estrada
para
toda a
terra.
Que a
terra
toda contemple o
seu
infortúnio, o
seu
exaspero
cruciante, a
sua
desvalia, o
seu
aniquilamento
iníquo, exteriorizados, golpeantemente, e
propalados
por
um
estranho e
mudo
pregoeiro...
Embaixo,
adrede construída,
desde a
véspera, vê-se uma
jangada de
quatro
paus boiantes,
rijamente travejados. Aguarda o
viajante
macabro. Condu-lo,
prestes,
para
lá, arrastando-o
em
descida,
pelo
viés dos
barrancos, avergoados de
enxurros.
A
breve
trecho a
figura demoníaca apruma-se, especada, à
popa da
embarcação
ligeira.
Faz-lhe os
últimos
reparos: arranja-lhe
ainda uma
vez as
vestes; arruma-lhe às
costas
um
saco
cheio de ciscalhos e
pedras: mete-lhe à
cintura alguma
inútil
pistola enferrujada,
sem
fechos,
ou
um caxerenguengue
gasto; e fazendo-lhe curiosas
recomendações,
ou dando-lhe os
mais
singulares
conselhos, impele, ao
cabo, a
jangada
fantástica
para a
corrente.
E
Judas,
feito Ahsverus, vai avançando
vagarosamente
para o
meio do
rio.
Então os
vizinhos
mais
próximos,
que se adensam,
curiosos, no
alto das barrancas, intervêm
ruidosamente, saudando
com repetidas
descargas de
rifles,
aquele
bota-fora. As
balas chofram a
superfície
líquida, erriçando-a; cravam-se na
embarcação, lascando-a; atingem o
tripulante
espantoso; trespassam-no.
Ele vacila
um
momento no
seu
pedestal
flutuante, fustigado a
tiros,
indeciso,
como a
esmar
um
rumo,
durante
alguns
minutos,
até se
reaviar no
sentido
geral da
correnteza. E a
figura
desgraciosa,
trágica, arrepiadoramente
burlesca,
com os
seus
gestos desmanchados, de
demônio e
truão, desafiando
maldições e
risadas,
lá se vai na
lúgubre
viagem
sem
destino e
sem
fim, a
descer, a
descer
sempre,
desequilibradamente, aos
rodopios, tonteando
em todas as
voltas, à
mercê das
correntezas, ‘de bubuia’
sobre as
grandes
águas. (...)”
(Em
À
margem da
História,
Porto, Lello &
Irmão, 1909, p. 107 - 108.)
-
Observações
sobre o
texto euclidiano:
zigomas =
maçãs do
rosto
guias = os
pêlos de
cada
um dos
extremos do
bigode
cambadas =
tortas, desgastadas de
um
lado
queda-se = permanece, mantém-se
expectante =
que
espera
com
ansiedade
ríctus =
riso
forçado
refegada =
cheia de
dobras
parla! =
palavra italiana,
que Miguel Ângelo (Michelangelo) teria
pronunciado
como
admiração de
seu
próprio
trabalho ao
terminar a
estátua de Moisés. Teria
dado uma
martelada no
joelho de Moisés,
como
que o concitando a
falar
sombreiro =
chapéu de
abas largas
vulto =
rosto,
semblante
jungiu = amarrou, submeteu
exaspero =
irritação
cruciante =
doloroso
iníquo =
injusto
adrede = previamente. Pronuncia-se
adrêde
condu-lo = conduz + o. A
conjugação de
verbos
com o
pronome o
enclítico tornou-se de
uso raríssimo no
português
contemporâneo do Brasil
avergoados =
cheios de
vergões, marcados
especada =
segura
por
espeques, escorada
ciscalhos =
varreduras, o
que se
apanha do
chão ao
varrer
chofram = ferem
erriçando = fazendo
erguer, tornando
firme. A
forma
mais
comum é
eriçar
esmar =
calcular,
avaliar
reaviar =
reconduzir,
retornar
truão =
palhaço
de bubuia = ao
sabor da
corrente, à
mercê das
correntezas;
expressão tipicamente
amazônica;
por
isso EC a usou
entre
aspas
-
Conclusão.
13/08/2005
(emelauria@uol.com.br)
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